Pedro Marques

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Reflexão ao final da tarde

Acabo de saber que o líder do meu partido vai abandonar a liderança.
Teve bom senso e a atitude, embora um pouco tardia (respeita-se o prazo de reflexão mas poderia ter decidido logo na altura das eleições) fica-lhe bem.
De imediato, alguns se começaram a colocar em bicos de pés repetindo de si para si: "Chegou a minha vez! Chegou a minha vez!".
E alguns dos do costume - os cortesãos - não deixarão de começar a enviar mensagens para as diversas tendências que se irão agora formar.
Calma! Fiquemos serenos e concentrados no que tem de ser feito.
Espero que haja coragem para mudar de líder e mudar de equipa. Mudar de Rei e mudar de Corte, como ontem já disse.
Não podemos errar. O país é muito mais importante e está todo a olhar para o interior do PSD. Há coisas para dizer? Sim, e vamos dizê-las frontalmente.
Há coisas para mudar?Sim, e vamos listá-las com serenidade mas sem perder tempo, de modo a agirmos rapidamente.
Vamos divergir? Claro, mas isso é essencial em democracia e na vida dos partidos.
Coisa diferente é ficarmos já a pensar no comboio que há-de passar em frente do nosso apiadeiro e tentarmos entrar à força ou de modo intempestivo.
Ajudar a reflectir e a mudar, contribuir para um "novo PSD" já é suficiente. Cada coisa a seu tempo.
* * *
Quando uma organização é atingida por um cataclisma, temos que analisar o estrago feito nos alicerces do edifício. Logo de seguida, é tempo de ver se há feridos e situações ainda mais graves. Chamamos os bombeiros para apagar fogos, a ambulância para evacuar os feridos, o gabinete médico-legal para atestar os óbitos.
Lamentamos sempre os mortos, encomendamos a sua alma e pedimos para que os feridos recuperem. Mas temos de "tocar a vida pr'á frente".
Começamos a pensar no modo de reconstruir o que se perdeu, o que ficou destruído e que pode ter demorado anos a construir. Fazemos um inventário do que temos e do que se perdeu. E planeamos, passando à acção.
Na listagem do que ficou e do que tínhamos, temos de fazer o inventário do bens a abater ao imobilizado. Alguns bens poderão ser reavaliados e reintegrados no património. Outros são para vender ou mesmo oferecer ao sucateiro, porque perderam o seu valor.
É assim. É a vida. Com ou sem ressentimento, com ou sem compaixão. De pouco valem esses sentimentos na hora da verdade. Faz parte da natureza do ser humano.
* * *
A vida é ingrata. Os homens e as mulheres são ingratos. Nessas horas de acudir, em aflição, ao socorro pós-cataclismo, não conseguimos, tantas vezes, discernir bem.
Impõe-se lucidez.
Falta lucidez.
Avaliamos os estragos por alto, toldados por deficiência de visão ou por preconceito que provoca enviesamento nas leituras. O povo diz que, às vezes, "paga o justo pelo pecador".
Se assim é - e é, de facto - procuro fazer um esforço, o meu esforço de boa análise. Temo bem não ser capaz porque admito que estou formatado para desconfiar daqueles que não me quiseram todo o bem que eu achava que merecia. Não sei se merecia mas o meu sentimento interior diz-me que não fui sempre bem tratado e, desse modo, tendo a reagir com base em informação armazenada no histórico da minha memória. Ao longo de quase duas décadas, fui coleccionando episódios e situações vividas em que senti que me quiseram diminuir.
Sem querer, posso estar a ser igualmente ingrato e injusto. Mesmo que queira não o ser.
* * *
Do que vai restar, temo que a história julgue por igual todos os intervenientes no processo que conduziu à derrota de 20 de Fevereiro. A história tem de ser cuidadosamente escrita para que seja fielmente lida por aqueles que nos hão-de suceder.
Acredito que Pedro Santana Lopes fez tudo o que esteve ao seu alcance, como lutador que é, para que o PSD tivesse o melhor resultado possível. Cometeu erros, é certo e o Dr. Jorge Sampaio ajudou a enfatizar esses erros. E recebeu uma pesada herança do passado, pois o resultado das europeias não é (de)mérito seu. Era outro o primeiro-ministro, que não resistiu à sedução da Europa.
Mas creio que, sobretudo, apesar das qualidades e dos defeitos que tem, como qualquer ser humano, o Dr. Santana Lopes esteve mal rodeado e no seu núcleo duro faltou consistência política e capacidade de execução, com proactividade, talento, assertividade e capacidade de ir ao encontro da resolução dos problemas e das expectativas das pessoas. Houve demasiadas hesitações, alguns recuos, contradições, desautorizações, posições ziguezagueantes, etc.
Não conseguiu resistir a ser envolvido pelos cortesãos de sempre.
Muitos anos na vida pública não são sinónimo imediato de infalibilidade e de máxima habilidade para gerir os assuntos da agenda política.
* * *
Contudo, quero, aqui, ressalvar um homem grande, que me surpreendeu pela sua atitude ao longo de todo o tempo de governo PSD, entre 2002 e 2005. Um homem combativo, frontal, que saiu derrotado e soube logo assumir as suas responsabilidades. Houve, porventura, mais bons homens e mulheres que serviram Portugal e o PSD nos últimos três anos mas, para mim, este foi o que melhor desempenho teve.
A sua atitude, sempre coerente, sempre consistente, o seu modo de ser e de estar, a sua capacidade política e a consistência e firmeza das suas convicções foram, para mim, em primeiro lugar uma surpresa porque não o conhecia bem antes de 2002, mas também uma lição.
Dentro do governo nunca se deslumbrou, serviu tudo e todos e teve sempre uma atenção para as estruturas do partido, procurando ajudar a resolver "problemas concretos de pessoas concretas", como ele bem gosta de dizer.
Falo de Nuno Morais Sarmento. O PSD precisa de mais homens grandes, livres e consistentes como ele. Tem alguns e o Nuno Morais Sarmento figura nessa galeria restrita.
Eu tinha de o dizer. Ninguém o pediu, ninguém o encomendou. Mas quero sublinhar o perfil, a personalidade, o carácter e a estatura de quem, para mim, mais se afirmou ao longo destes três anos como pilar essencial das boas causas da governação.
Lá terá os seus defeitos. Ainda bem.
Respeito a sua vontade de sair e dar o lugar a outros mais novos. Respeito-a e entendo o seu raciocínio.
No dia em que ele quiser regressar - e se isso acontecer - terei prazer em estar a seu lado.
Foi, é e será ainda muito importante para Portugal.