Pedro Marques

segunda-feira, janeiro 31, 2005

Necrose e vida

O Centro Histórico de Abrantes está a morrer. Melhor, tem vindo lentamente a morrer e agora a doença de que padece sofreu uma agudização.
Têm sido esboçadas diversas curas mas a doença parece ser mais forte e, tal como sempre sucede nesses casos, traiçoeira e impiedosa, ameaça liquidar de vez o outrora viçoso, pujante e emblemático centro comercial e de serviços de Abrantes.
Uma cidade histórica sem Centro Histórico forte faz lembrar o anúncio antigo da pasta medicinal Couto.
Sendo o Centro Histórico de Abrantes, tal como em geral os centros históricos, uma questão económica e social, não deixa de depender da vontade do planeamento e de questões de política urbanística.
Merece, pois, tanto empenhamento privado quanto público.
Quando nada disso sucede, a doença apodera-se do organismo.
Tudo junto, redunda naquilo que costumamos designar de bloqueio colectivo que conduz à necrose dos tecidos que, por sua vez, alastra ao organismo e o mata.
Muito pode ser feito. E tem de ser feito. Urgentemente. Basta de contemplações e palavras fáceis que só adiam a decisão.
Como diz o Ricardo Araújo Pereira, "eles falam, falam, falam, mas não fazem nada. Fico chateado, pá!, é claro que fico chateado". Ficamos todos, tenho a certeza.
É verdade que a autarquia investiu largas centenas de milhares de contos em projectos urbanísticos e arquitectónicos de melhoria da imagem do centro e que este está mais bonito e mais agradável para o peão.
É verdade que os comerciantes, em geral, aderiram e investiram, ao tempo, cerca de 500 mil contos do seu esforço na modernização comercial dos seus espaços, num projecto global da ordem do milhão de contos financiados a 50% pelo Procom.
É verdade que tem sido prometida uma dinâmica nova, forte, que obrigue a fazer sentido o próprio termo "dinâmica". Mas não. A dinâmica tem sido muito mais estática do que dinâmica.
É igualmente verdade que o conjunto de novas superfícies comerciais, com postos de trabalho maioritariamente precários e sem sede social no concelho,de onde pontificam como expoentes as "catedrais do consumo " Modelo, Feira Nova, Lidl e Intermarché, até agora, e a que se irão juntar em breve as insígnias Plus e Dia/Minipreço, conduzem os fluxos de clientes para a periferia do outroro centro inquestionável da cidade.
Surgiram novas centralidades, poderão surgir mais - em Alferrarede, na Chainça ou no Rossio (menos provável).
O que fazer, então, do futuro do Centro Histórico? Para onde caminhas Abrantes? O que te estão a fazer e o que deixas tu que te façam?
Recordo-me da história do "Pelicano". O histórico café, que hoje dá lugar a uma cadeia de franchising na área da confecção feminina, atravessou anos de crise.
Um dia, o corajoso Manuel Passos, de quem sou amigo, tomou uma decisão dolorosa - o encerramento. Ouviram-se logo os defensores do estabelecimento pedirem que isso não acontecesse, que se tratava de um "crime", que o café era de todos nós, etc e tal.
Abordei o Passos e ele respondeu-me simples: "se todos os que agora falam tivessem sido sempre clientes do Pelicano e o ajudassem a superar as dificuldades, o café estaria aberto. Mas, infelizmente, muitos dos que agora criticam o encerramento, pouco ou nada fizeram para evitar o que aconteceu, frequentando o espaço". Economicamente, fui forçado a concordar com ele. O problema estava a montante. Já pouco havia a fazer.
Daqui, parto para o conjunto do Centro Histórico.
Faço um apelo a todos os abrantinos: se querem ter um Centro Histórico mais vivo, mais dinâmico e que possam ressurgir, usem-no nas vossas compras. Vão menos ao Entroncamento, ao Campera, ao Colombo ou ao W, em Santarém, e mais ao Centro Histórico de Abrantes.
Façam compras, passeiem nas ruas, vão ao café, mas ajudem a criar movimento de pessoas na cidade. De semana e ao fim-de-semana.
Depois, faço um apelo aos comerciantes. A renovação de espaços, a introdução de novas insígnias de referência, de marcas-âncora, é fundamental. Vejam o que se fez no Fundão, na Covilhã, em Portalegre ou nas Caldas da Rainha, isto só para citar cidades sensivelmente equivalentes em termos de dimensão. Uma loja tem que se adpatar aos novos tempos, tem que mudar de decoração, introduzir novos conceitos de fidelização, novas atracções dentro do espaço.
Os horários de funcionamento são hoje outra razão forte para fazermos compras em supermercados. Mesmo depois do horário de trabalho, estão abertos e vão pela noite dentro, com o supermercado e a loja de roupas, de calçado, de electrodomésticos, de jornais, o café, a loja de flores, de animais, de telemóveis, de acessórios de moda, a lavandaria, etc. Não se pede ao comércio de rua que esteja aberto até às dez da noite, tanto mas deve pedir-se mais do que as 19 horas actuais que nos são concedidas como horário de encerramento. Só que isso implica uma revolução de mentalidades, alteração do sistema de transportes públicos, eventual aumento dos custos (quando o importante é reduzi-los) e mais segurança.
Mais um apelo, agora dirigido à associação que deve defender os interesses dos comerciantes e proprietários de estabelecimentos de serviços. O compromisso que assumiram com a eleição deve norteá-los a, sempre, de modo obstinado, tudo fazerem para revitalizar a importância e pujança do centro histórico.
Uma palavra final de apelo devo ainda dirigir aos poderes públicos.
A autarquia, através da federação de todos estes agentes e da visão inovadora e definição do modelo que tem para o concelho, pode e deve ajudar. Muito.
Através da opção que vier a fazer sobre a sua própria permanência física, enquanto instituição com instalações e trabalhadores, no Centro Histórico.
Através da defesa do regresso de alguns serviços públicos para edifícios devolutos, como é o caso do antigo Centro de Emprego.
Através do estímulo à recuperação de habitação do centro.
Através da apoio à criação de um movimento cultural para todos, de abertura de espaços de reflexão e de crítica, livrarias, galerias de arte, novos e actuais museus abertos ao fim de semana, biblioteca a funcionar ao fim de semana, posto de turismo com promoção de valores culturais, etnográficos de patrimónios naturais e construídos.
Através da definição sobre o pagamento ou não pagamento do estacionamento no centro da cidade, algo que é sempre gratuito dos hipermercados e centros comerciais.
Através do apoio a mecanismos e sistemas de transporte mais eficientes, mais eficazes, mais regulares e com horários mais alargados, entre todos os pontos da cidade e entre a cidade e a periferia.
Através da promoção forte que tem que ser feita sobre a qualidade dos espaços existentes e que seja capaz de atrair públicos de vários pontos do país.
Através da definição de novos espaços de atracção no centro da cidade, com novos estacionamentos e novos espaços comerciais e de serviços. O nosso problema é, também, um problema de falta de escala e por isso temos que ter mais quantidade e mais qualidade.
Por isso, urge definir o que irá ser feito na Tapada da Fontinha, por exemplo, um local de excepcional localização potencial de reforço da centralidade do Centro Histórico (passe o pleonasmo).
Todas e estas questões farão parte de um debate público que o PSD irá lançar no início de Março. Aberto a todos. Ansioso pela presença de todos.
Porque é urgente parar para reflectir, pensar e estudar como mudar.
E fazê-lo mesmo!
Podem contar connosco.
Podem contar comigo nessa causa.