Pedro Marques

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Estilos

Cada pessoa tem o seu estilo próprio, a sua maneira de ser e de estar no Mundo.
Eu tenho a minha. Não é seguro que seja a maneira mais correcta ou o estilo mas apropriado, mas é o que decorre na minha própria existência.
Às vezes sou abordado por pessoas que, de modo generoso, me dizem que tenho que ser mais popular (entendo logo populista), mais simpático (entendo sorridente e que dê palmadas nas costas) e que tenho que conviver mais (beber uns copos de modo generalizado, todos os dias em vários cafés), etc, etc.
Se calhar, devia ser assim. Mas não seria eu. Contudo, tenho feito alguns progressos a este nível.
Sou feliz com a vida que levo, tenho motivos para ser feliz mas conheço bem os dias difíceis. Sou normal. Porém, em vez de exteriorizar os meus sentimentos numa folia artificial, procuro ser cada vez mais exigente comigo, estudar, ler, pensar, reflectir, escrever, ouvir música, ver televisão, estar com a minha família, em particular os mais chegados.
Tenho uma forte ambição: fazer de Abrantes um concelho mais forte, mais desenvolvido, mais próspero. Uma espécie de "outro mundo", para melhor.
Qual? Em que consiste? Como se alcança?
Essas são questões ou dúvidas que terão que ser resolvidas ao longo dos próximos meses, aqui neste blogue e noutros espaços de discussão, encontros, reflexão, com muitos cooperantes, militantes e simpatizantes.
Bem sei que, ao mesmo tempo, temos que dar passos concretos de demonstração de capacidade de excução. Já o estamos a fazer, apoiando diversas colectividades do concelho, estando ao lado de quem empreende e ajudando nessa missão, fazendo contactos, assegurando apoios para o nosso concelho, defendendo pontos de vista.
Já lá vão cerca de 130 anos desde que Marx afirmou que "cada passo de movimento real vale mais do que uma dezena de programas", mas estes não deixam de ser importantes e uma ferramenta importante de orientação, uma bússula para não perdermos as referências cardeais.
De resto, esta frase de Marx foi proferida num contexto particular, numa carta enviada a Bracke, provocada pela crítica ao primeiro programa de Gotha, em 1875.
Frase e contexto distinto envolveu o pensamento de Eduard Bernstein, homem forte do "Revisionismo Reformista", que constituiu igualmente uma fonte de inspiração para os social democratas durante décadas. Bernstein escreveu que "o que se chama fim último do socialismo não é nada, pois o importante é o movimento".
Desde sempre, a ideia de um "mundo novo" tem seduzido os maiores pensadores da história da Humanidade. Da esquerda e extrema-esquerda à direita e extrema-direita, todos concordam que outro mundo é possível. Essa é, porém, a única coincidência porque, no exacto momento em que se começasse a definir ou caracterizar o que se entende por esse "outro mundo", como se alcança, com base em que ideais e pressupostos, com que sacrifícios e objectivos, romper-se-ia o acordo de concertação para a acção.
Em Abrantes, também sucede isso. Concordamos que é possível e desejável mudar mas as coincidências são pouco mais do que essa constatação.
Renego os princípios marxistas porque o sistema capitalista, que carece de aperfeiçoamentos, está longe de caminhar para o seu fim, com Marx e Engels preconizavam, já desde 1848, no seu Manifesto Comunista.
Sei que a história não terminou aí e que o pensamento doutrinário tem evoluído.
Um marco nessa evolução chama-se Keynes, o pai do estado de bem-estar social (wellfare state). Keynes entende que o capitalismo não é capaz de solucionar sozinho os problemas da humanidade e afirma-se contra a lei dos mercados e a economia liberal e, por isso, defende que não sendo inteligente, nem belo, nem justo, nem virtuoso, o capitalismo requer que o Estado intervenha na economia e solucione as crises económicas geradas pelo próprio sistema.
Porém, a história tem-se encarregado de corrigir pensamentos, pela acção, pelo movimento. E com base nos resultados e evidências desse movimento, tem sabido construir novos modelos sociais, novas teorias doutrinárias, novos caminhos programáticos.
Já nem mesmo os defensores do "desenvolvimentismo" dos anos 50, muito praticado na América Latina, se consignam a essa realidade. No Brasil, aquando da eleição de Lula para a presidência, surgiu o conceito de "desenvolvimento por meio de comércio livre", ou seja, mais uma adaptação ao mercado do modelo de desenvolvimento assente na reforma agrária e na instrustialização promovida pelo Estado. A tónica parece ser, mesmo no Brasil, onde lidera um ex-Marxista, a aposta forte na competitividade económica, no aumento das exportações, na diversificação de produtos e mercados, no conceito de valor acrescentado.
Dois séculos depois, os ex-comunistas da vanguarda e que têm a responsabilidade de governar um Estado, renderam-se às teorias de Adam Smith e David Ricardo. Este último já na altura defendia a necessidade do "comércio internacional" e da "melhor distibuição do trabalho, produzindo cada país os bens aos quais, seja pela sua situação, seja pelo clima ou mesmo outras vantagens naturais e artificiais, é adaptado e trocando-os por mercadorias de outros países".
E nós, em Abrantes, quais as nossas competências e as nossas apetências?
É que não chega apostar num modelo que assente, de modo quase obssessivo, na aplicação de receitas de capital em investimentos que não geram produção, não criam emprego sustentável e estruturado, não aumentam a nossa riqueza e a nossa competitividade e não geram outra coisa que não seja despesa corrente, para a qual urge encontrar formas novas de financiar, quase sempre à custa de mais taxas, tarifas e impostos locais.
Claro que me é difícil construir um modelo entendível para todos recorrendo a estas teorias e às suas múltiplas evoluções e metamorfoses ao longo dos tempos. Mas estou atento e leio e estudo. E como páro para pensar e reflectir, decido. Pode ser mal, mas é por bem.
Também por isso tenho dificuldade em ser populista. O populismo é a antítese dos valores que defendo e sobre os quais fui construindo a minha existência. Escolhi ser assim ou é uma fatalidade do destino, que deriva do meu ser e das circunstâncias.
Tal como disse Jean-Paul Sartre, "o homem não é a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem, do que poderia ter". Por isso, cada um tem a sua missão. No entender de Emmanuel Kant, "a missão suprema do homem é saber o que precisa para ser homem".